sábado, 5 de março de 2011

Em São Paulo, militância LGBT vai às ruas pedir aprovação de lei que torna crime a homofobia

Marcha acontece no próximo dia 19 de fevereiro

Por Rodrigo Cruz

Diversidade. Uma característica da qual o Brasil se orgulha, mas que na prática, ainda não é respeitada, e, sobretudo, garantida, pelo chamado Estado de direito. Estamos falando de um País que possui mais de 200 paradas gays, entre elas a maior do mundo (São Paulo), é sede da maior associação de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transsexuais (LGBT) da América Latina (a ABGLT), mas que, contraditoriamente, jamais aprovou em sua esfera legislativa uma única medida a favor de sua população homossexual. O pior de tudo: o Brasil é o país líder em assassinatos de homossexuais no mundo – em média um a cada dois dias, se gundo dados da ONG Grupo Gay da Bahia (GGB).

Para se ter uma idéia, em 2009, foram 198 assassinatos documentados. Em 2010, foram mais de 250 assassinatos. Ainda segundo o GGB, proporção de vítimas geralmente é de 70% de gays, 27% de travestis e 3% de lésbicas. Os números, porém, podem ser maiores do que se imagina. Devido à total ausência de estatísticas oficiais sobre crimes de ódio contra lésbicas, gays, bissexuais e transsexuais, a falta de recursos da polícia para identificar casos deste tipo e certo receio por parte das testemunhas em denunciar situações de violência, o cálculo ainda está longe de ser exato.

O Grupo Gay da Bahia realiza o levantamento há 30 anos, baseado em casos divulgados pela imprensa nacional e regional. Já exigiu inúmeras vezes que o Ministério da Justiça e as Secretarias Estaduais de Direitos Humanos assumam o compromisso de coletar os dados. Nunca obteve sucesso.

É com o intuito de pressionar o poder público para a aprovação do Projeto de Lei 122/2006 (que torna crime atos homofóbicos), sensibilizar a sociedade para a questão do preconceito contra as diferentes orientações sexuais e identidades de gênero e principalmente, pedir o fim da violência homofóbica, que militantes da causa LGBT, mobilizados a partir de uma comunidade virtual no Facebook, irão marchar no próximo dia 19, da Praça do Ciclista, rumo a Av. Paulista nº 777, em São Paulo. O local ficou conhecido depois que, em novembro do ano passado, quatro jovens de classe média atingiram um rapaz com uma lâmpada fluorescente na cabeça. O motivo? Acreditavam que a vítima era homossexual.

O episódio, no entanto, representa apenas a ponta de uma enorme teia de violência (muitas outras agressões ocorreram posteriormente em São Paulo, inclusive de homens contra mulheres homossexuais). Causa revolta que alguém seja agredido por ser homossexual em plena Av. Paulista, conhecida justamente por receber a maior parada gay do mundo, mas a homofobia é ainda pior nas capitais mais distantes do eixo sul-sudeste, no interior do país, nas pequenas cidades aonde a imprensa não chega e aonde o preconceito sequer é questionado.

Tal qual o machismo, a homofobia está presente no cotidiano dos brasileiros, e se engana quem pensa que ela atinge somente os homossexuais. Se você é heterossexual, mas simplesmente não se enquadra nos ditos padrões de comportamento do homem (ou da mulher) “tradicional”, então provavelmente você já foi, ou será, vítima de homofobia. Trata-se, sobretudo, de um preconceito de gênero.

É por isso que, além de exigir a aprovação do PLC 122, instrumento jurídico capaz de garantir a integridade física e moral de lésbicas, gays, bissexuais e transsexuais, é preciso informar e conscientizar a sociedade. Para a marcha do dia 19, os organizadores preparam panfletos que explicam os reais objetivos do projeto de lei e desmistificam a idéia, amplamente difundida por setores fundamentalistas, de que o projeto impede a liberdade de expressão e culto das igrejas, já que para elas, a homossexualidade é considerada um pecado. O argumento, que pode ser contestado por qualquer um que tenha acesso ao texto integral do PLC, tem sido utilizado insistentemente pela bancada evangélica do Senado para barrar sua aprovação. Enquanto isso, milhares morrem em segredo.

O assunto também tomou conta do segundo turno das eleições presidenciais do ano passado, quando os candidatos José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) utilizaram o debate fundamentalista para ganhar parte do eleitorado evangélico, órfão da então candidata Marina Silva (PV) derrotada no primeiro turno. Dilma e Serra tiveram reuniões a portas fechadas com lideranças religiosas e a atual Presidente da República chegou a redigir uma carta a estes setores esclarecendo suas opiniões sobre o aborto e a PLC 122. Na época, a ABGLT lançou um manifesto direcionado aos candidatos, pedindo a manutenção de um debate livre de concepções religiosas.

Unidos contra a homofobia

Logo após os ataques na Av. Paulista, o militantes LGBT organizaram uma série de manifestações, que culminaram na criação de uma Frente Paulista Contra a Homofobia, que reúne grupos LGBT, ONG’s, representantes da sociedade civil, de outros movimentos pelos direitos humanos e também de órgãos públicos, com o intuito de enfrentar a crescente onda de homofobia no Estado. Além de apoiar a marcha do dia 19, a Frente pretende criar um observatório capaz de mapear a violência contra a população LGBT em São Paulo.

Rodrigo Cruz é jornalista e integrante do Coletivo LGBT 28 de Junho



SERVIÇO:

Marcha Contra a Homofobia

Data: 19 de fevereiro de 2011

Local: Praça do Ciclista, Av. Paulista esquina com a Av. da Consolação

Horário: Concentração às 15h

Itinerário: O grupo sai em marcha da Praça do Ciclista e segue em direção ao edifício 777 da Av. Paulista
John Rawls e a comissão da verdade

Procurador do Estado contesta artigo do jurista Ives Gandra na Folha de S. Paulo.

Por Marcio Sotelo Felippe

O jurista Ives Gandra, contumaz defensor de posições de extrema direita, publicou há alguns dias na Folha de São Paulo artigo critico sobre a Comissão da Verdade. As opiniões do articulista devem ser respeitadas como exercício soberano e sagrado da liberdade de expressão, mas ao expor sua tese o articulista cometeu impropriedades factuais e conceituais. As factuais são facilmente discerníveis e as menciono apenas de passagem para mostrar como um pensamento fortemente ideologizado somente se sustenta sobre o ocultamento do real. É o caso do esforço para emparelhar a Alemanha nazista e a União Soviética na II Guerra, ignorando a morte de 20 milhões de soviéticos na luta contra Hitler, grande parte em seu próprio território. Norte-americanos e ingleses mortos som aram 700 mil mortos e não sofreram invasões de território. A realidade também é maltratada no texto quando o articulista nos comunica que "guerrilheiros torturaram". É a velha e cansativa estratégia de expor o periodo da ditadura militar como uma guerra em que os dois lados “cometeram abusos”, com o objetivo de proteger os reais torturadores. A conclusão seria que o cel. Ustra, Fleury e os torturados Dilma Roussef, Câmara Ferreira e Mário Alves, entre tantos outros, estão no mesmo plano ético. São afirmações tão indefensáveis que não podem caminhar muito e nelas não nos detemos.

No entanto, as coisas são diferentes quando a distorção desliza para o plano dos conceitos teóricos ou filosóficos. O pensamento precisa de salvaguarda porque á patrimônio da Humanidade. O articulista mutilou e inverteu o sentido de uma das mais relevantes contribuições contemporâneas à filosofia política, a obra de John Rawls, na vã tentativa de invocar um argumento filosófico de autoridade contra a Comissão da Verdade.

A teoria da justiça de Rawls desenvolve-se a partir de uma imaginária posição inicial, que equivale ao momento de fundação de uma sociedade justa. Está situada, pois, na tradição contratualista, que se assenta na idéia regulative da precedência da pessoa sobre o Estado e sobre as regras básicas de estruturação da sociedade. Mesmo o realista Hobbes, que pouco concede aos súditos após a hipotética fundação da sociedade política, garante e eles o direito de preserver sua vida em qualquer circunstância, mesmo contra ordem legítima do soberano. Na engenhosa formulação de Rawls, o pacto de fundação do Estado é delegado a pessoas sob um véu de ignorância que reproduz o estado de natureza dos contratualista. Não conhecem sua posição na sociedade e nenhum de seus interesses como indivíduos singulares. Não sabem de suas habilidades e talentos. A idéia (de natureza kantiana e rousseauniana) é que encontram e acordam uma vontade geral que (Rawls procura demonstra) seria concretizada em dois princípios: (i) iguais liberdades básicas para todos; (ii) desigualdades admissíveis quando trazem benefícios para os menos favorecidos.

É evidente que nesta situação hipotética as pessoas, racionalmente, articulam esses princípios considerando sua própria inviolabilidade como seres humanos, o que é ao mesmo tempo pressuposto e sentido de qualquer noção contratualista. O objetivo específico de Rawls é atacar o utilitarismo, uma filosofia política que admite sacrifícios de direitos e liberdades em certas situações de ganho social ou político. Por isso, para desgosto daquele articulista, afirma Rawls em Uma Teoria da Justiça: “numa sociedade justa as liberdades básicas são tomadas como pressupostos e os direitos assegurados pela justiça não estão sujeitos à negociação política ou ao cálculo dos interesses sociais”. Entre nós, ao contr&aacu te;rio do que ocorre na cultura anglo-americana, o utilitarismo não tem forte presença, mas algumas de suas teses – como o leitor já terá percebido – estão incorporadas a um certo senso comum sobre a ação do Estado contemporâneo. E podem ser extrapoladas para posições como as do articulista, que prefere um suposto ganho politico em detrimento do conceito de inviolabilidade do ser humano e dos corolários desse conceito. Tal raciocínio pode ser também claramente identificado no julgamento da lei de anistia pelo STF.

Lembra o citado articulista que, segundo Rawls, doutrinas políticas não devem ser abrangentes “em demasia”. É certamente o que ocorre, por exemplo, nos regimes fundamentalistas islâmicos, apoiados numa visão metafísica que sufoca tudo que lhes é distinto. Mas o conceito completo de Rawls, que o articulista não traz, esclarece o postulado. Doutrinas "comprehensives" (religiosas, metafísicas, morais) devem estabelecer um consenso sobreposto (“overlapping consensus”), desde que sejam doutrinas razoáveis e evidentemente não firam os princípios de justiça fundadores da estrutura política e juridica. Requisitos que excluem, de plano, a posição daquele articulista, refratário à apuração de atos de barbárie cometidos por agentes do Estado. Claro, pois, que a defesa da inviolabilidade da pessoa não é, como ousa afirmar aquele jurista, uma concepção “comprehensive” que sufocaria a sociedade, mas o objeto razoável sobre o qual podem e devem pactuar todas as concepções razoáveis que compõem o espectro politico e social da nossa sociedade. Em O Direito dos Povos, Rawls afirma que entre os princípios de justiça que devem ser respeitados pelos povos estão os direitos humanos à vida, à liberdade e à segurança. Isto está de acordo com o Direito Internacional dos Direitos Humanos, que considera imprescritíveis e insuscetíveis de anistia os agentes do Estado responsáveis por crimes contra a Humanidade. Rawls, como se vê, não pode dar suporte à delinquência internacional a que o Brasil estará sujeito se não cumprir a decisão da Corte Interamericana que o condenou por anistiar torturadores.

O articulista comete o erro que pretende imputar aos defensores da Comissão da Verdade: quer subordinar para sempre a sociedade brasileira aos restos da ditadura militar. Quer subordinar a sociedade à sua posição de extrema direita. A sua idéia de que assegurar o direito fundamental de proteção da pessoa é "totalitária" é um insulto à consciência democrática.

O artigo em questão tem pelo menos aquele mérito de lembrar que a Comissão da Verdade, e bem assim a decisão da Corte Interamericana, devem ser objeto do consenso sobreposto de Rawls. As diversas forças políticas razoáveis (vale dizer, democráticas) declararão à sociedade que jamais se tolerará, em tempo algum, no futuro ou no passado, que o Estado viole o corpo de um cidadão e o aniquile física e mentalmente. Sem isto, o que sobra é o esmagamento da razão pública e da consciência democrática por forças - estas sim - totalitárias.

Marcio Sotelo Felippe foi Procurador Geral do Estado de São Paulo (1995/2000) e Diretor da Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo (2007/20080).

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Pink Floyd - Another Brick In The Wall, part 2

Em 2011, o PSPN é R$ 1.597,87
25-01-2011
Em 3 de janeiro de 2011 foi publicada, no Diário Oficial da União, Secção 1, páginas 4/5, a Portaria Interministerial nº 1.459, de 30 de dezembro de 2010, a qual estabeleceu o valor anual mínimo nacional por aluno do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), referente aos iniciais do ensino fundamental urbano, para 2011, à quantia de R$ 1.722,05.

Em comparação ao valor anual mínimo do Fundeb de 2010 (R$ 1.414,85), o percentual de reajuste foi de 21,71%.

A Lei 11.738, que regulamenta o piso salarial profissional nacional do magistério público da educação básica, estabelece que:

“Art. 5º. O piso salarial profissional nacional do magistério público da educação básica será atualizado, anualmente, no mês de janeiro, a partir do ano de 2009.

Parágrafo único. A atualização de que trata o caput deste artigo será calculada utilizando-se o mesmo percentual de crescimento do valor anual mínimo por aluno referente aos anos iniciais do ensino fundamental urbano, definido nacionalmente, nos termos da Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007.”

Dada a vigência, sem alteração, da Lei do PSPN- em especial do artigo que trata do reajuste anual - a CNTE orienta a correção dos vencimentos mínimos iniciais das carreiras de magistério, em âmbito dos planos de carreira estaduais e municipais, neste ano de 2011, ao valor de R$ 1.597,87, considerando a aplicação do percentual de 21,71% sobre R$ 1.312,85, praticado em 2010.
As tragédias urbanas: desconhecimento, ignorancia ou cinismo?

Por paradoxal que possa parecer, a proposta de Reforma Urbana – e a terra urbana, sua questão central- desapareceu da cena política após a criação do Ministério das Cidades

Por Erminia Maricato

Todos os anos, no período das chuvas, as tragédias das enchentes e desmoronamentos se repetem. Os mesmos especialistas, hidrólogos, geólogos, urbanistas repetem as soluções técnicas para enfrentar o problema. A mídia repete a ausência do planejamento e da prevenção aliada à falta de responsabilidade e “vontade política” dos governos (muitos dos jornalistas como os colunistas globais, donos da verdade, se esquecem de que pregaram o corte dos gastos públicos e das políticas sociais durante duas décadas). As autoridades repetem as mesmas desculpas: foram muitos anos de falta de controle sobre a ocupação do solo (como se atualmente esse controle estivesse sendo exercido), mas “fizemos e estamos fazendo...”. Todos repetem a responsabilidade dos qu e ocupam irregularmente as encostas e as várzeas dos rios como se estivessem ali por vontade livre e não por falta de opção.

Tragédias decorrentes de causas naturais são inevitáveis e irão se ampliar com o aquecimento global que atualmente é um fato indiscutível. Um serviço de alerta de alto padrão pode minimizar problemas como mostram exemplos de sociedades menos desiguais e que controlam, relativamente, a ocupação do território. Mesmo no Brasil há soluções técnicas viáveis mesmo se considerarmos essa herança histórica de ocupação informal do solo. Mas não há solução enquanto a máquina de fazer enchentes e desmoronamentos – o processo de urbanização - não for desligada.

Desligar essa máquina e reorientar o processo de urbanização no Brasil implica contrariar interesses poderosos que dirigem o atual modelo que exclui grande parte da população da cidade formal. A imensa cobertura midiática dos acontecimentos silenciou sobre os principais fatores que impedem a interrupção da recorrência e da ampliação dessas tragédias anuais. Vamos tentar dar “nomes aos bois”.

A principal causa dessas tragédias é do conhecimento até do mundo mineral: a falta de controle sobre o uso e a ocupação adequada do solo. Parece algo simples, mas é profundamente complexo, pois controlar a ocupação da terra quando grande parte da população é expulsa do campo ou atraída para as cidades, mas não cabe nela, é impossível.

Controlar a ocupação da terra quando esta é a mola central e monopólio de um mercado socialmente excludente (restrito para poucos, apesar da ampliação recente promovida pelos programas do Governo Federal) viciado em ganhos especulativos desenfreados, é inviável. Os trabalhadores migrantes e seus descendentes, não encontram alternativa de assentamento urbano senão por meio da ocupação ilegal da terra e construção precária, sem observância de qualquer lei e sem qualquer conhecimento técnico de estabilidade das construções. A escala dessa produção ilegal da cidade pelos pobres (i.e. maioria da população brasileira) raramente é mencionada.

Nas capitais mais ricas estamos falando de um quarto a um terço da população - SP, BH, POA -, metade no RJ e mais do que isso nas capitais nordestinas. Nos municípios periféricos das Regiões Metropolitanas essa proporção pode ultrapassar 70% até 90%. Áreas vulneráveis, sobre as quais incide legislação ambiental, desprezadas (de modo geral) pelo mercado imobiliário são as áreas que “sobram” para os que não cabem nas cidades formais, e nem mesmo nos edifícios vazios dos velhos centros urbanos cujos números são tão significativos que dariam para abrigar grande parte do déficit habitacional de cada cidade.

Mas, quando um grupo de sem teto ocupa um edifício ocioso que frequentemente acumula dívida de milhões de reais de IPTU, no centro da cidade formal , ação do judiciário, quando provocada, não se faz esperar: a liminar é rápida ainda que esses edifícios estejam bem longe de cumprir a função social prevista na Constituição Federal e no Estatuto da Cidade. Enquanto isso, aproximadamente milhões de pessoas, sim milhões, ocupam as áreas de proteção ambiental: Áreas de Proteção aos Mananciais, várzeas de rios, beira de córregos, mangues, dunas, encostadas que são desmatadas, etc. Não faltam leis avançadas e detalhadas. Também não faltam Planos Diretores.

Quando se fala em solo urbano ou terra urbana é necessária uma ressalva: não se trata de terra nua, mas de terra urbanizada. A localização da terra ou do imóvel edificado é o que conta. Há uma luta surda e ferrenha pelas melhores localizações, assim como pela orientação dos investimentos públicos que causam aumento dos preços e valorização dos imóveis em determinadas áreas da cidade.

A terra urbana (ou rural) é um ativo da importância do capital e do trabalho. Distribuir renda não basta. É preciso distribuir terra urbana (ou rural) para combater a escandalosa desigualdade social no Brasil.

Quando voltou do exílio, Celso Furtado chamou atenção para a necessidade de distribuir ativos como forma de combater a desigualdade social. São eles, terra e educação. Na era da globalização a terra vem assumindo uma importância estratégica. Conglomerados transnacionais e até mesmo Estados Nacionais disputam as terras agriculturáveis nos países mais pobres do mundo todo. No Brasil ela se encontra sobre intensa disputa no campo ou na cidade.

Infelizmente o Governo Lula ignorou essa questão crucial e a política urbana se reduziu a um grande número de obras, necessárias, porém insuficientes. É verdade que a maior responsabilidade sobre a terra, no âmbito urbano, é municipal ou estadual (quando se trata de metrópoles). Mas é preciso entender porque um programa como o Minha Casa Minha Vida, inspirado em propostas empresariais, causou um impacto espetacular no preço de imóveis e terrenos em 2010.

Financiar a construção de moradias sem tocar no estatuto da propriedade fundiária, sem regular ganhos especulativos ou implementar a função social da propriedade gerou uma transferência de renda para preço dos imóveis. E parte dos conjuntos habitacionais de baixa renda continua a ser construída fora das cidades, repetindo erros muito denunciados na prática do antigo BNH. Os prefeitos que não querem ou não conseguem aplicar a função social da propriedade enfrentam a dificuldade de comprar terrenos a preço de mercado, altamente inflado, para a produção de moradias sociais. Já os governadores, em sua absoluta maioria, ignoram a necessidade de políticas integradas nas metrópoles.

As demais forças que orientam o crescimento das cidades no Brasil estão muito ligadas à essa lógica da valorização imobiliária com exceção do automóvel que ocupa um lugar especial. Ao lado do capital imobiliário, as grandes empreiteiras de obras de infra-estrutura orientam o destino das cidades quando exercem pressão sobre os orçamentos públicos (via vereadores, deputados, senadores ou governantes) para garantir determinados projetos de que podem ser oferecidos ao governante de plantão como forma de “marcar” a gestão. As obras determinam o processo de urbanização mais do que leis e Planos Diretores, pois o que temos, em geral, são planos sem obras e obras sem planos. A política urbana se reduz à discussão sobre investimentos em obras e isso está vinculado à lógica do financiamento das campanhas a ponto de determinar as obras mais visíveis e aquelas que possam corresponder ao cronograma eleitoral.

As obras viárias são priorizadas pela sua visibilidade e, é claro, para viabilizar o primado do automóvel, outro dos principais motivos da completa falência das nossas cidades. Os males causados pela matriz de mobilidade baseada no rodoviarismo, ou mais exatamente pelos automóveis, são por demais conhecidos: o desprezo pelo transporte coletivo, ignorando o aumento das viagens a pé, o alto custo dos congestionamentos em horas paradas, em vidas ceifadas nos acidentes que apresentam números de guerra civil, em doenças respiratórias e cardíacas devido à poluição do ar, na contribuição para o aquecimento do planeta e o que nos interessa aqui, particularmente na impermeabilização do solo.

Parece incrível que em pleno século XXI foi aprovada e iniciada a ampliação da nefasta marginal do Rio Tietê (o governador Serra, candidato à presidência se enroscou no cronograma da obra que ainda levará muito tempo para ser terminada) um equívoco dos engenheiros urbanistas que se definiram pelo modelo rodoviarista para São Paulo e em conseqüência para todo o Brasil. (Ocupar margens dos rios quando estas deveriam dar vazão às cheias do período das chuvas é, como sabemos, contribuir com a insustentabilidade urbana).

Agora os carros e caminhões parados com seus escapamentos despejando poluentes na atmosfera ocupam oito pistas da marginal ao invés das 4 anteriores. Mas essa estratégia não é exclusividade de um partido. Governos de todos os partidos na cidade de São Paulo contribuíram para o deslocamento da centralidade fashion da cidade em direção ao sudoeste produzindo, com pontes, viadutos, obras de drenagem, trens, despejo de favelas, operação urbana e projetos paisagísticos uma nova fronteira de expansão para o capital imobiliário.

As obras de drenagem oferecem um exemplo dos erros de uma certa engenharia que ao invés de resolver, cria problemas. Durante décadas as empreiteiras se ocuparam em tamponar (“canalizar”) córregos e construir avenidas sobre eles, impermeabilizando o solo e permitindo que as águas escoassem mais rapidamente para as calhas dos rios. Agora, quando se trata de reter a água, surge a “moda” dos piscinões. Um mal necessário mas que não passa de paliativo já que o solo continua a ser impermeabilizado e a sua ocupação descontrolada.

Diante desse quadro espantoso, é surpreendente que a questão urbana tenha perdido a importância a ponto de ser quase nulo o seu destaque programas de governo de todos os partidos e estar ausente dos debates nas últimas campanhas eleitorais. Até mesmo a proposta de Reforma Urbana, reconstruída a partir da luta contra o Regime Militar, inspiradora da criação do Ministério das Cidades, que tinha como centralidade a questão fundiária, desapareceu da agenda política. Movimentos sociais estão mais ocupados com conquistas pontuais na área de habitação.

O Ministério das Cidades, criado para tirar das trevas a questão urbana brasileira, combatendo o analfabetismo urbanístico está nas mãos do PP (partido do ex-prefeito e governador Paulo Maluf e ex- presidente da Câmara Severino Cavalcanti) desde 2005. Algumas poucas gestões municipais “de um novo tipo” que surgiram nos anos 1980 e 1990, voltadas para a democratização das cidades, dos orçamentos, das licitações, do controle sobre o solo, ainda tentam remar contra a maré contrariando interesses particulares locais, mas elas são cada vez em menor número diante do crescimento do pragmatismo dos acordos políticos. A Copa e as Olimpíadas e as mega obras que as acompanharão ocupam a preocupação dos gestores urbanos que insistem em concentrar investimentos em novos cartões postais e novas áreas de valorização imobiliária até que a próxima temporada de chuvas traga a realidade de volta por alguns dias e a mídia insista na falta de planejamento e prevenção.



Erminia Maricato é arquiteta, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi coordenadora do programa de pós-graduação (1998-2002), secretária de Habitação de São Paulo (1989-1992) e secretária-executiva do Ministério das Cidades (2003-2005).
Soltura imediata de Battisti: prisão sem objeto

Por Dalmo de Abreu Dallari

A legalidade da decisão do Presidente Lula, negando a extradição de Cesare Battisti pretendida pelo governo italiano, é inatacável. O Presidente decidiu no exercício de suas competências constitucionais, como agente da soberania brasileira e a fundamentação de sua decisão tem por base disposições expressas do tratado de extradição assinado por Brasil e Itália. É interessante e oportuno assinalar que as reações violentas e grosseiras de membros do governo italiano, agredindo a dignidade do povo brasileiro e fugindo ao mínimo respeito que deve existir nas relações entre os Estados civilizados, comprovam o absoluto acerto da decisão do Presidente Lula.

Quanto à prisão de Battisti, que já dura quatro anos, é de fundamental importância lembrar que se trata de uma espécie de prisão preventiva. Quando o governo da Itália pediu a extradição de Battisti teve início um processo no Supremo Tribunal Federal, para que a Suprema Corte verificasse o cabimento formal do pedido e, considerando satisfeitas as formalidades legais, enviasse o caso ao Presidente da República. Para impedir que o possível extraditando fugisse do País ou se ocultasse, obstando o cumprimento de decisão do Presidente da República, concedendo a extradição, o Presidente do Supremo Tribunal Federal determinou a prisão preventiva de Battisti, com o único objetivo de garantir a execução de eventual decisão de extraditar. Não houve qualquer outro fundamento para a prisão de Battisti, que se caracterizou, claramente, como prisão preventiva.

O Presidente da República acaba de tomar a decisão final e definitiva, negando atendimento ao pedido de extradição, tendo considerado as normas constitucionais e legais do Brasil e o tratado de extradição firmado com a Itália. Numa decisão muito bem fundamentada, o Chefe do Executivo deixa claro que teve em consideração os pressupostos jurídicos que recomendam ou são impeditivos da extradição. Na avaliação do pedido, o Presidente da República levou em conta todo o conjunto de cirscunstâncias políticas e sociais que compõem o caso Battisti, inclusive os antecedentes do caso e a situação política atual da Itália, tendo considerado, entre outros elementos, os recentes pronunciamentos violentos e apaixonados de membros do governo da Itália com refer&ec irc;ncia a Cesare Battisti. E assim, com rigoroso fundamento em disposições expressas do tratado de extradição celebrado por Brasil e Itália, concluiu que estavam presentes alguns pressupostos que recomendavam a negação do pedido de extradição. Decisão juridicamente perfeita.

Considere-se agora a prisão de Battisti. Ela foi determinada com o caráter de prisão preventiva, devendo perdurar até que o Presidente da República desse a palavra final, concedendo ou negando a extradição. E isso acaba de ocorrer, com a decisão de negar atendimento ao pedido de extradição. Em consequência, a prisão preventiva de Cesare Battisti perdeu o objeto, não havendo qualquer fundamento jurídico para que ele continue preso. E manter alguém preso sem ter apoio em algum dispositivo jurídico é abolutamente ilegal e caracteriza extrema violência contra a pessoa humana, pois o preso está praticamente impossibilitado de exercer seus direitos fundamentais. Assim, pois, em respeito à Constituição brasileira, que define o Brasil como Estado Democrático de Direito, Cesare Battisti deve ser solto imediatamente, sem qualquer concessão aos que tentam recorrer a artifícios jurídicos formais para a imposição de sua vocação arbitrária. O direito e a justiça devem prevalecer.



Dalmo de Abreu Dallari é jurista e professor emérito da USP

domingo, 9 de janeiro de 2011

"Guerra ao tráfico" maquia guerra aos pobres

Por Luciana Araujo

O Brasil tem hoje quase 500 mil presos amontoados em menos de 300 mil vagas. Entre os detentos, 60% são negros, 58% têm entre 18 e 29 anos e 44% ainda aguardam julgamento (são presos provisórios). Quase 58 mil pessoas cumprem pena em delegacias. Somos a terceira maior população carcerária do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e da China.

Uma análise do perfil da população carcerária evidencia o que o juiz Juarez Cirino dos Santos qualificou de “encarceramento em massa da pobreza” durante o seminário “Encarceramento em massa: símbolo do Estado penal”. Promovido pelo Tribunal Popular – articulação de entidades defensoras dos direitos humanos. O seminário aconteceu no salão nobre da Faculdade de Direito da USP entre os dais 7 e 9 de dezembro.

Nos últimos dias, a espetacularização das ações policiais no Complexo do Alemão e na Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro, fez recrudescer a banalização desta realidade de violência e criminalização contra os pobres. Parcela importante da sociedade novamente esqueceu que cenas como as protagonizadas desde o dia 21 de novembro nas comunidades cariocas são a repetição de outro macabro espetáculo do gênero produzido pela mesma polícia, sob ordens do mesmo governador e do mesmo secretário de Segurança Pública, no mesmo Alemão.

A mega-operação de 2007 que resultou em 19 mortos e 13 feridos num só dia, entre eles um bebê. Ao longo dos meses o número de mortos foi crescendo. E o narcotráfico? Bom, esse continua dominando as comunidades. Financiado por gente que não passa nem perto do morro e corre quase nenhum risco de ser atingido por uma bala disparada a esmo. E amparado pelo poder de seus tentáculos dentro do aparelho do Estado.

Neste ano, a polícia se recusa a divulgar o número de mortos antes do dia 25 de novembro. Outras comunidades vêm sendo ocupadas militarmente sem que isso sequer seja divulgado como parte das operações. Crescem as denúncias de abusos e roubos praticados por agentes do Estado.

As UPPs – prometidas pela presidenta eleita como política nacional de segurança pública – mais uma vez levam às comunidades apenas o braço armado do Estado. Além de estarem projetadas estrategicamente no corredor turístico-cultural do Rio.

Aos defensores dos direitos humanos, parte da classe média e os reacionários de plantão lançam a acusação de que são defensores de “bandidos”. Mas ao que conste, a Constituição brasileira estabelece que ninguém pode ser submetido a tortura ou tratamento humano degradante. A Constituição Federal não costuma valer muito dentro do sistema penal brasileiro, que não tem nenhuma possibilidade de ressocializar os presos, incentiva a corrupção e funciona à margem da legalidade em muitos casos. Tornaram-se parte da nossa realidade o encarceramento em massa, revistas íntimas arbitrárias, inclusive em bebês, e confrontos armados em favelas e periferias.

Na esteira da histeria, mudanças na legislação são aprovadas a toque de caixa, e sempre numa perspectiva de endurecimento das penas. Nenhuma lei sobre a reforma agrária, investimento maciço na geração de empregos, valorização e qualificação dos policiais. Aliás, ao invés de aprovar a PEC que estabelece o piso salarial para policiais militares e bombeiros, os nobres deputados preferiram aprovar um reajuste de 61,83% nos próprios salários. Num país em que o salário mínimo estipulado para 2011 não deve passar a barreira dos 540 reais.



Luciana Araujo é jornalista.
Rio de Janeiro sem pena de morte!



Por Mc Leonardo

Foi com um artigo sobre a falta de programas sociais que visem acabar com a criminalidade armada dentro das favelas que passei a integrar o corpo de colaboradores da revista Caros Amigos. Por isso, me sinto na obrigação de expor aqui a minha opinião sobre a situação em que o Rio se encontra hoje.

O que está acontecendo não é novidade para quem vive dentro das comunidades pobres, já que mais uma vez o combate ao “crime organizado” se dá dentro das favelas. Na visão da cúpula de segurança do Estado, “o mal” do Rio de Janeiro mora em becos e vielas dessas localidades.

Não posso acreditar em um combate que está sendo feito da mesma maneira há tanto tempo, já que não houve resultado positivo em nenhum aspecto. A maneira de combater o uso e venda de drogas nas favelas cariocas produz marginais de todas as formas há muito tempo.

Não existe maneira de se administrar uma “boca de fumo” sem ter como aliado um ou mais funcionários públicos. Falo de policiais civis, militares e federais.

Não existe maneira de se comprar armas e munição de diversos calibres de tantas partes do mundo, sem ter como aliado algum desses mesmos agentes acima citados. Porém, quando o assunto é fronteira, essa participação conta com novos atores: falo das forças armadas e de políticos de todas as esferas da política brasileira.

Quem abastece as favelas com tantas armas e drogas não vai ter um soldado do BOPE em sua casa, sem mandado judicial, perguntando onde está o seu chefe e lhe ameaçando cobrir a cabeça com um saco plástico.

Mandar um ou mais blindados para dentro das favelas para matar quem foi seduzido por esse comercio ilegal das drogas é a resposta mais rápida que os governantes podem dar para uma classe média desinformada, que, com uma sensação de segurança estabelecida após ações desse tipo, acha que era a única coisa a ser feita.

O resultado dessas ações é mostrado na televisão, e se resume a uma quantidade de armas e drogas apreendidas, uns três ou quatro corpos (que na grande maioria das vezes são de bandidos) e um pronunciamento da Secretaria de Segurança para dizer o que foi feito lá dentro.

Mas o verdadeiro resultado ninguém fica sabendo. A polícia não pode falar devido à sua hierarquia militar. O favelado também não fala, por medo não só dos bandidos, mas dos próprios policiais, restando assim uma carta da secretaria em cima da mesa das redações editoriais, para que publiquem o que for mais conveniente para o Governo do Estado.

Crianças sem estudar é um resultado péssimo para um estado que vise acabar com a violência. No entanto, as horas de aulas perdidas não são contabilizadas.

O número de pessoas que foram mandadas embora de seus empregos por causa dos números de dias faltados por conta desse combate não é contabilizado.

O número de pessoas que não podem abrir seus comércios devido às essas ações dentro e próximos a essas localidades e que dependem diretamente deles para viver e pagar seus funcionários (que na maioria das vezes são moradores das favelas) não é contabilizado.

O número de pessoas que sofreram alguma sequela como síndrome do pânico ou até depressão depois de ter ficado na linha de tiro entre policia e bandido não são contabilizados.

O número de policiais e de seus familiares com problemas psicológicos também não são contados.

Os verdadeiros números, quando forem realmente analisados e discutidos de maneira séria por toda sociedade, poderão fazer toda diferença na hora de pensarmos em dias melhores para a o estado do Rio de Janeiro. Mas, enquanto isso não acontece, vamos assistindo à lógica da política de segurança que é a de “matar para melhorar”, e para isso acontecer sem que a sociedade se mobilize contra, o papel da mídia é fundamental.

O governador do Estado do Rio de Janeiro vai a um canal de televisão e fala que “As barrigas das mulheres pobres são fábricas de marginais”.

O Delegado Carlos Alberto Oliveira, quando era sub-chefe da Polícia Civil, comandou uma ação para capturar o traficante Nem no alto do morro na favela da Rocinha, onde resultou na morte de sete “supostos bandidos”. Em entrevista para um canal de televisão, ele foi perguntado sobre o paradeiro de Nem, que não foi capturado na ação. Falou que tinha conhecimento dos antecedentes dos bandidos que estavam ali abatidos por eles, e soltou essa: “A importância dos mortos é que faz o sucesso da operação”.

Os apresentadores e comentaristas dá área de segurança pública nas bancadas dos telejornais seguem a lógica da barbárie, fazendo com que toda população apóie essas políticas sangrentas e desumanas dentro das favelas.

Não existe nenhum tipo de organização nos crimes cometidos pelos bandidos das favelas, assim como não existe nenhum tipo de inteligência eficaz por parte da polícia. Esses são alguns dos motivos que resultam em tantas mortes, diariamente, há muitos anos em nosso estado.

Governos imediatistas, ONGs que vivem dentro dessas favelas e não se movimentam contra essa política assassina, sociedade midiática que prefere ouvir a notícia por parte de quem jamais pernoitou dentro de uma favela e uma organização política dentro das favelas que está muito longe ser suficiente para as mobilizações necessárias que as favelas precisam fazer para receber outro tipo de tratamento por parte do estado.

Nos próximo dez anos, essa combinação de erros vai triplicar a população carcerária do Rio de Janeiro, vai matar mais de vinte mil pessoas e não vai adiantar nada.

Que comecemos a nos indignar com essas mortes, pois a indignação é que fará todos nós reagirmos contra tanta violência.


Mc Leonardo é presidente da APAfunk, cantor e compositor.