segunda-feira, 21 de junho de 2010

A taxa do mundo é nossa, com brasileiro, não há quem possa
Por Paulo Kliass

Pois é, mesmo que a seleção dirigida por Dunga não consiga trazer a estrelinha do hexa lá da África do Sul, o fato é que o Brasil continua a ostentar a posição de campeão mundial....da taxa de juros!

A reunião do Conselho de Política Monetária (COPOM), no dia 09 de junho passado, elevou ainda mais a taxa SELIC do Banco Central, de 9,5% para 10,25% ao ano. Com tal decisão, o governo se obriga pagar a mais um valor próximo a R$ 12 bilhões em um ano, correspondente a esse acréscimo de 0,75% na taxa básica de juros da nossa economia. A título de comparação, o total da receita aplicada pelo Programa Bolsa Família, ao longo de 2009, foi de um valor aproximado a esse.

A dívida pública federal superou a marca dos R$1,6 trilhão, valor até muito difícil de imaginar. Com a nova remuneração oferecida ao sistema financeiro para a rolagem dessa dívida, as despesas da União, com juros ao longo dos próximos 12 meses, serão da ordem de R$ 160 bilhões.

Há muitos anos que o Brasil vem mantendo tal “pole position”. Em alguns meses isolados, ao longo de mais de uma década, ocorreu de ter sido subitamente ultrapassado por outros países, como a Turquia. Mas nada que comprometesse sua liderança definitiva.

Existem vários fatores que podem ser utilizados para explicar mais essa jabuticaba tupiniquim. A questão é bastante complexa para ser esgotada em um espaço reduzido como esse. Mas vamos buscar entender alguns aspectos.
O processo crescente de financeirização da economia faz com que as atividades agrícolas, industriais e de serviços se subordinem à lógica e à dinâmica do setor financeiro. A busca da rentabilidade e do retorno dos investimentos passa a ter a referência da remuneração “mínima” (na verdade, muito alta) oferecida pelo governo para rolagem de seus títulos. Não é à toa que os departamentos financeiros nas empresas ganham importância desproporcional. Muitas delas passam a ter melhores resultados no jogo das finanças do que no seu próprio ramo de atividades. Assim como na época da inflação crônica e elevada, a sociedade brasileira passa a conviver com taxas de juros também muito altas.

A adoção de um modelo de política econômica baseada no rígido regime de metas de inflação, combinado com a política de liberdade cambial, só reforça a tendência à taxa de juros elevada. As autoridades monetárias fazem uma previsão da meta de inflação futura (com base em uma nada transparente pesquisa realizada com os próprios operadores do mercado financeiro) e definem o patamar básico da taxa de juros. O objetivo seria evitar que o nível da atividade econômica pudesse provocar um excesso de demanda superior à oferta, com os tais riscos de retorno da tão temida inflação.

Além disso, o regime de câmbio flutuante e a liberdade total de entrada e saída de capital externo acabam por agravar o quadro da tendência à alta na taxa de juros. Como o financiamento da dívida pública depende bastante dos recursos externos, as nossas autoridades econômicas terminam por elevar o nível de juros para manter atrativa a alternativa para os grandes operadores do mercado financeiro internacional de aplicar seus recursos em títulos no mercado brasileiro. Para completar a tragédia, o ingresso de tais recursos externos especulativos e de curtíssimo prazo provoca uma valorização artificial da nossa taxa de câmbio, prejudicando as exportações brasileiras e causando uma perigosa deterioração nas contas externas, que já apresenta resultados deficitários preocupantes.

As taxas de juros nas principais economias do mundo estão em níveis próximos de zero ou mesmo negativas. É o caso dos EUA, dos países europeus e do Japão, cujas autoridades monetárias baixaram ainda mais as taxas de seus Bancos Centrais para estimular a saída da recessão. E mesmo os países que não foram tão afetados pela crise, como China e Índia, apresentam taxas bem abaixo da brasileira.

Uma das alternativas para escapar dessa verdadeira armadilha montada para manter as taxas juros em níveis tão altos seria o estabelecimento de maior controle na chamada conta de capital. Com isso, o governo estabeleceria critérios e condições para entrada de recursos externos. A primeira medida seria dar tratamento diferenciado para o investimento direto e produtivo, face ao recurso puramente especulativo da esfera financeira. Uma outra medida seria estabelecer regras distintas, de acordo com o tempo definido para a permanência do recurso em nosso País. Assim, o dinheiro especulativo de curto prazo seria submetido a impostos, para reduzir o grau de dependência da ciranda financeira que só prejudica nossa economia. Já os investimentos que pretendem ingressar para a atividade real, comprometendo-se com projetos de médio e longo prazos, não seriam onerados por tal tributação.

Paulo Kliass é doutor em economia pela Universidade de Paris 10 e integrante da carreira Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, do governo federal.
Texto retirado da revista “Caros Amigos”, edição CORREIO CAROS AMIGOS, do dia 18 de junho de 10.

Nenhum comentário:

Postar um comentário